Indignações

Somos criados para buscar coisas comuns.

A educação, a sociedade e a mídia nos bombardeiam todo o tempo com maneiras de agir, gostos, moda, maneiras de pensar e até de sentir.

E isso resulta em que todos sintam a mesma coisa. A novela ensina como uma mãe deve amar seu filho, como uma mulher deve ser pedida em casamento, como devem ser nossas casas, como devemos cortar o cabelo, enfim, como devemos viver.

Não sabemos o que é escolher, pois não escolhemos! Fazemos o que todo mundo faz e ainda achamos que estamos realizando um sonho que é só nosso.

Creio que seria muito bom podermos nos esvaziar por completo da “educação” adestradora que recebemos ao longo das nossas vidas.

Tentar mudar, tentar ser mais consciente é uma luta constante contra a corrente.

Desembarcar - Rubem Alves

Bernardo Soares escreveu que nosso problema está em nossa incapacidade de desembarcar de nós mesmos. É inútil ir até a China se não saímos da bolha onde vivemos. Tudo o que virmos e pensarmos nessa viagem será uma repetição da nossa mesmice. Isso vale para viagens. E vale também para a leitura. Porque toda leitura é uma viagem por um mundo desconhecido. Não, isso que escrevi não está certo. Há livros que não nos levam a viajar por mundos desconhecidos. Eles apenas repetem a nossa mesmice. Por isso são de leitura fácil. 

Há alguns anos, quando estive preso numa cadeira por causa de uma operação de hérnia de disco, pus-me a ler uma série de livros que tinham estado à espera, numa prateleira. Mas eles davam canseira na cabeça de um homem que estava doente. Quem está doente não quer viajar. Mudei-me então para os policiais da Agatha Christie. Leitura para passar o tempo, porque não era preciso pensar. Todos eles são iguais. E eu ficava no meu mundinho.

Para se entender um livro de outro mundo, a primeira condição é sair do nosso mundo. Isso exige uma decisão preliminar: “Vou, provisoriamente, num jogo de faz de conta, parar de ter minhas ideias. Vou desembarcar do meu mundo. Vou entrar no mundo do autor. Vou aprender a sua língua...”. Se eu não fizer isso não terei condições de entendê-lo, se for o caso, ainda que para discordar dele honestamente. Se eu parto do pressuposto de que o autor só diz besteiras eu só lerei besteiras – as que estavam dentro de mim. 

Lembro-me dos meus tempos de universidade: se alguém ia ler Max Weber, ia sabendo que ele era o “ideólogo da burguesia”. Se se ia ler Durkheim, sabia-se de antemão que ele era um “funcionalista conservador”. Para se ler Nietzsche é preciso antes ficar nu e tomar um banho. Se vocês quiserem ler um exemplo de absoluta incompreensão de Nietzsche leiam o que Coplestone, padre jesuíta, disse dele na sua história da filosofia.

Frases de Clarice Lispector

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.